Robert Andrews e sua Esposa (1748-1750), Pintor Thomas Gainsborough
Podia-se ver o crepúsculo no horizonte...ah como era belo. As suas cores, alteravam o ambiente daqueles ares Britânicos. Trabalhadores laboravam nos seus ofícios e animais pastavam, brincavam ou dormiam como era o meu caso.
Antes de mais, apresento-me como Burt, o melhor amigo do homem. Exactamente, o cão.
Mas eu não era um cão qualquer. Era um cão pertencente a uma família de aristocratas. Um cão do século XVIII. E esta é a minha história.
Se queres que te diga, a vida de cão é uma chatice, mas tem as suas vantagens. Dormir, comer quando possível e brincar quando te apetece, sem contar com o facto que sabes de tudo o que se passa à tua volta. Queres melhor? Acho que não.
Eu era um cão de pêlo castanho, com algumas manchas brancas. Magro, mas elegante. O meu olhar encantava qualquer um, até a mim mesmo.
Mas, bem, como dizia, estava deitado no meu sítio habitual. À minha frente encontrava-se a casa dos Andrews. Que grande mansão. Até me sentia dono dela. Realmente, quem diria que fosse parar a uma casa daquela dimensão.
Caminhando sobre as pedras que constituíam o magnífico passeio, que se maravilhavam pelo meu esplendor, entrava eu naquela casa.
Uma casa confortável, com uns simples empregados a andarem de um lado paa o outro, que tinham a mania de me passarem por cima e de gritarem. Por vezes até parecia que gritavam comigo, vejam só.
Como eu disse, aquela casa pertencia ao Andrews.
O Senhor Robert Andrews, assim era o seu nome, era a melhor pessoa que podia existir naquela altura. Um jovem de 22 anos de cabelo loiro que, apesar de exigente, a sua postura era digna do seu nome. Como ele me cativava. A senhora Frances Carter, quero dizer, criança Frances Carter. Não tinha mais que 16 anos, e como me aborrecia. Sempre a chatear o pobre Robert com coisas fúteis. Bem, não gostava nada dela.
Naquele momento, entravam ambos na sala de estar, em que os diversos quadros ali expostos cobriam as altas paredes. Grandes janelas permitiam entrar a pouca luz que ainda existia, e que chocava com os grandes armários e jarras ali dispostos. Cada canto daquela grandiosa casa mostrava as poses e o estatuto daquele casal. Eram aristocratas.
- Eu peço-lhe, Senhor Andrew! implorava a menina.
- Mas existem melhores pintores e mais experientes. Porque haveria de escolher alguém tão ...novo? Respondia o meu querido Robert.
- “Mas que estarão eles a falar? Mais uma das ideias dela, é claro” Percebi assim que a vi.
Quando a menina se apercebeu da minha presença, tive a sensação que podia ver o seu interior. Uma criatura vermelha, com dois chifres na cabeça e a segurar um ancinho. Se querem que vos diga, eu não percebia o que era, mas vindo dela, não era boa coisa.
Ai que vontade a minha de a morder... ela não devia de gostar de mim. São os ciúmes, porque já devia ter percebido que o seu querido marido me tratava melhor e preocupava-se mais comigo do que com ela...
Desviou o olhar da minha beleza e retomou à sua conversa - Mas pintou o retrato da menina Bennet, que agora se encontra exposto na sua sala e pelo que vi é um óptimo pintor. Por isso peço-lhe, que o deixe pintar um retrato nosso - Teimava ela.
- Não seja teimosa. Disse calmo e numa serenidade incrível , enquanto se agachava para me dar alguns miminhos...
E uma vez mais, notei a cólera no rosto daquela criança que de tão branco e pálido, era possível ver a alteração de cor. E como eu a adorava, encostei o meu rosto junto da face do Robert, algumas lambedelas e miminhos era suficiente porque ela não gostou muito, desapareceu assim que percebeu o que eu pretendia. Normalmente animais e pessoas não se entendem, mas eu e a menina Andrews, até nos entendíamos bastante bem.
- Que devo fazer Burt? Perguntava-me Robert.
- “Huh? Estás a falar comigo? Que queres que te diga homem? Não lhe faças a vontade!” Mas é claro...ele apenas me ouvia ganir.
- Talvez lhe deva fazer a vontade desta vez.
- “O quê? Não foi isso que eu disse!”
-Obrigado amigo...- dizia sorrindo.
- Meu Deus...Suspirei - Nem eu consigo resistir a esse sorriso, que apenas mostras perante mim. É verdade o que vos digo. Robert nunca mostrou tal faceta a ninguém, pelo menos que eu saiba, pois mostrava-se sempre altivo. É tão bom ser um cão. Aquela conversa tinha-me cansado,uma soneca ía mesmo a calhar.
Sentia Robert a mimar-me um pouco, mas afastou-se pouco depois.
O frio de Dezembro estalava-me os ossos e o sol de tão fraco que era, parecia que ainda era de noite.
- “ Ah! O cheiro a erva”- Aquele cheiro, era o meu perfume natural.
- Que bom! Ainda bem que pensaste. Gritou alegremente uma voz irritantemente aguda - Além disso, ainda não temos nenhum retrato nosso, depois do nosso casamento.
- Sim, mulher. Mas antes que ele faça seja o que for, ainda temos que ajustar detalhes, por isso não te empolgues demasiado. respondeu Robert.
- Pois muito bem, como deseje. O senhor Gainsborough deve chegar quando o sol estiver sobre o horizonte. Por isso, Lola vai fazer umas compras para o nosso convidado.
-Sim, Senhora.
- “ Lola vai fazer umas compras para o nosso convidado” ainda agora se casou e já manda. Não percebo estes humanos. Ela tem apenas 16 anos, para quê casarem-se tão cedo? E
vê-se que não se casaram por amor.”
- Faz me companhia Burt. Pediu Lola.
- “O quê? Não! Está muito frio!”
- Por favor, não me deixes ir sozinha...
- “Ah...ela é tão linda. Bem, ficar em casa a ser mal tratado é que não. Vamos lá”
Agora que penso nisso, era a primeira vez que saía da mansão. Sim, ainda me lembro da dimensão daquelas terras. Não era qualquer um que podia ter tais riquezas e luxos como aquela família.
Podia-se ver alguns camponeses a trabalhar.
- Pobres coitados. Ainda o sol não nasceu e já se estão a matar. Enquanto os pobres andam a fazer de tudo pela sobrevivência, os ricos ficam em casa a beber chá. Nasce-se pobre, morre-se pobre. Dizia Lola.
-“É verdade. Aqui, as pessoas já têm o seu destino traçado à nascença e não há muito que se possa fazer. Apenas tem que se ter sorte.”
Era a primeira vez que eu visitava o mercado, mas fiquei logo com vontade de nunca mais lá voltar. O cheiro, o barulho e a confusão era terrível.
- Oh! Bom dia Lola, hoje vens cedo! Dizia uma senhora com uma cara rechonchuda, que me fazia lembrar um leitão.
-Bom dia Dahlia! Sim, venho cedo. A menina mandou-me vir buscar carne fresca. Temos visitas pela tarde.
-Pois muito bem, aqui está sua carne. Não te canses muito, ainda és jovem e cuidado com essas visitas.
- Hahaha, sim não se preocupe. Tenha um bom dia.
De volta a casa, a confusão dentro dela era visível ao longe.
- Não, esse não. A menina tem que escolher outro. dizia uma senhora já de idade, que me recordava alguém. Mas a minha memória já falhava.
- Mas mãmã, eu tenho que me mostrar digna, não quero parecer uma camponesa.
-“Ah! Como pude esquecer de quem deu à luz aquela criança? A Senhora Demeiza. Hum, se bem me recordo ela estava em viagem, que faz aqui?”
- Menina Frances, sossegue um pouco!
- “Sossego?”
Era impossível ter um pouco de sossego durante os preparativos. A minha beleza não aguentava aquele barulho todo. O melhor que podia fazer naquele momento era mudar para um sítio mais calmo.
Durante todo o dia, foi uma confusão enorme dentro e fora de casa, mas finalmente acalmou.
-“Finalmente paz.”
- Senhora. – falou uma das empregadas.
- Diz Blythe, mas diz rápido que tenho coisas mais importantes para fazer.
- Sim, senhora. O senhor Thomas Gainsborough acabou de chegar e está no hall de entrada.
- Porque não me avisaste? Mande-o entrar. Mas não faças asneiras.
- Sim, senhora.
- Seja bem-vindo! Disse Robert numa postura elegante.
- Muito Obrigado - Disse um rapaz igualmente jovem e bem parecido. – A minha viagem foi um pouco longa e turbulenta, por isso espero ser bem recebido.
- Assim esperamos – disse a menina.
Uma vez sentados à mesa, conversavam eles entre si. Não percebi muito bem o que diziam. Apenas que falavam sobre comida, carne e cão. Ah! E falavam de um quadro e pintor:
- Onde estudou? – foi uma das perguntas que o senhor perguntou.
- Bem, estudei em França no atelier de Hubert François Gravelot e num estúdio em voga na Corte de nome Francis Hayman.
- Parece um bom começo, já que é tão novo. disse a menina interrompendo a conversa de ambos.
- E que temas costuma pintar? Cortou Robert.
- Hum, bem normalmente são-me pedidos retratos, mas também costumo pintar muito a paisagem. Já agora, deixe-me dizer que isto está uma delicia.
- “ Credo homem, está cheio de fome! “
- Então Mr Andrews? O que acha? perguntou a jovem de cabelos loiros.
- Ainda é muito cedo para dizer. Mas falemos de questões financeiras.
- Isso depende do resultado final, mas talvez ronde os...
Eu não quero dizer, porque até te assustavas. Só digo que tinha muitas zeros.
- Isso é pedir um pouco de mais, não acha?
- Se acha? Mas já fiz vários retratos de pessoas como a sua senhoria e a senhora, e pedi muito mais do que eu peço agora.
- Por favor Senhor Robert.
-“Lá está ela. Ele disse que não! Deixa de ser mimada!”
O que fui eu dizer. Ela percebeu que eu estava a falar dela e então decidiu fazer uma das coisas que estava autorizada a fazer.
- Blythe, meta esse animal lá fora. Não queremos que assuste a visita.
- “O quê? Mas que ousadia, eu estou aqui no meu canto! Robert do something!”
- Com certeza Senhora.
- “Não! Ai é desta que me pagas” Naquele momento decidi mostrar a minha ira e não só derrubei a criada como fiz cair a empregada que segurava a comida, e se não foi a minha sorte de cair exactamente sobre o lindo vestido creme da menina. Hahaha! Acho que foi o dia mais feliz da minha vida, apesar de ter acabado a noite na rua,ao frio. Mas valeu a pena.
Duas semanas tinham passado. O pintor foi aceite pelo meu senhor após muita insistência da parte da menina. Ao que parece chamava-se Thomas Gainsborough, ligeiramente mais novo que Robert. Um pintor inglês, famoso entre a nobreza e amigo de cães. Não é para me gabar, mas ele adorava-me.
Estava um dia cinzento e frio. As grande nuvens entristeciam o dia, mas a menina estava muito contente. Seria o dia em que o seu retrato seria feito.
- Não mãmã, não pode ser esse.
- Mas é um vermelho muito bonito e elegante.
- Não! Já não sei o que fazer. dizia chorando.
Pela primeira vez, tive pena daquela jovem. Apesar de chorar por um motivo fútil, era a primeira vez que a via chorar. Então decidi ajudá-la. Saltei para cima da cama e escolhi aquele que parecia mais bonito. Um azul que lembrava o lindo céu de verão. Assim, podia ser que o dia brilhasse um pouco mais, mesmo que fosse apenas para ela.
- Sai daí cachorro! – gritou-me Demeiza, mãe da menina Andrews.
-“Está calada mulher, senão mordo-te”
- Não mãmã. Acho que me está a ajudar. É esse o vestido que vou usar. Obrigada Burty,afinal não és tão mau como pensava. Dizia ela numa voz suave e com uma cara tão dócil, que me apaixonei por ela naquele instante.
- Não interessa, despache-se e tu sai daqui, cho! cho!
Saí do quarto um pouco indignado pelos modos daquela velha mulher, mas dirigi-me para o local onde seria pintado o retrato. E quando cheguei, fiquei desiludido. Era cinzento, feio, triste e não fui o único a pensar nisso. O Senhor Robert chegou, e pela sua cara, ele pensava o mesmo que eu.
Já o sol ía alto. E estava tudo pronto.
O Senhor permanecia em pé, com uma espingarda debaixo do braço, com uma postura e atitude indiferente mas metódica. E algures, se procurasses bem, descobrias um pequeno sorriso escondido.
A menina, sentada vestindo o vestido que lhe sugeri, estava tão elegante e altiva, que por momentos parecia uma Senhora.
- Muito bem, agora pro favor, tentem manter-se quietos, para eu poder começar.
Eu olhava-os de longe. Vontade era a minha de estar com eles. Mas, não queria atrapalhar, até eu sei os meus limites.
- Burt! Vem cá rapaz. Chamou Robert.
-“Ele está a falar comigo? Quero dizer, o meu nome é Burt mas...”
- Anda cá rapaz, afinal fazes parte da família.
Se eu chorasse com lágrimas como os humanos, acho que a minha cara pareceria um oceano, porque aquele foi o gesto mais bonito que alguém me poderia fazer.
Coloquei-me do lado de Robert, e não conseguia parar de o olhar. Aquele homem, definitivamente, era a melhor pessoa do Mundo, mas eu era dos poucos que percebia isso.
O quadro levou 2 anos a ser concluído, pena a minha de não o ter visto, pois morri antes de ser concluído. Mas apesar de ser apenas um fantasma que vagueia pelas terras que restam de Londres e apesar de ser apenas um cão, não vou ser esquecido enquanto que aquele quadro existir.
Obrigada por ouvires a minha história, e não te esqueças que um dia eu estive aqui.
Anaísa Chagas, nº 2 11ºE
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